Dai-me Vox e ruas seguras, Batgirl
Modernidade é isso!
— Do que ele ta falando?
— Paciência, cara. Deixa ele terminar a frase.
Grupos de transeuntes indo de lado a lado da rua das Flores como se estivessem realmente a procura de algo fundamental. Um bando persecutório investigando as possibilidades do universo curitibano para, aqui nas terras das araucárias, ocultar sob algum petit-pave o cálice sagrado, a arca da aliança, o sarcófago de Thot, as madeixas de Nabucodonosor, a pele descamada de Amaterasu, o som senil do canto de Odin. Gente de sorrisos parcos e modos infaustos, conduzidos pelo impulso de respirar pois respirar é preciso, McDonalds não é preciso.
— O cara despirucou.
— Acho que ele ta tramando alguma coisa.
Entre esses homens e mulheres de casacos escuros e blusas de lã a imitar o tricô da vovó, estão os pós-punks de sempre, os rescaldos da terceira onda de Toffler, os herdeiros da mística I-Ching amancebada com a Bíblia de Bill Gates. Jovens e não tão jovens assim, rótulos crus de Balzac e um improvável Neuromancer hodierno. (Polaquinho, algo realmente sério está a acontecer e preciso te contar)As horas passam devagar como uma música de Marina entorpecida de Prozac. Batgirl fura a fila do Vox e procura um lugar para deixar o casaco. Desiste ao ver acumulado sobre encostos modelos ultrapassados de Prada e Miou-Miou.
— Eu não quero ficar igual essas aí!
Afirma de modo peremptório aos botões de sua blusa branca e cuidadosamente envelhecida com a química ancestral. Um bando de modernos fumadores de cigarros de cravo e bebedores de Tequila Sauza dança rock anos oitenta como se dançasse em alguma praça de Porto Seguro. Uma das garotas tem cabelos azuis e lábios pretos e não fosse o mancar disfarçado pelos saltos desnivelados seria a encarnação de Mortícia Adans. Não sorri, não fala, apenas move os braços fora do tempo da música e humilha os Cranberries chacoalhando as cadeiras em uma cadência de samba de crioulo doido.
— Conheço muitas assim.
Demian comenta que as coisas poderiam ser piores. Poderia estar desempregado, sem dinheiro, sem ter o que fazer da vida após ter saído da Macchina, a mais nova lanchonete de self-service de jingles a ficar sem um sócio garçom.
— Eu agüento tudo, menos voltar pra casa da minha mãe. Se bem que eu sinto saudade da sopinha antes de dormir.
Batgirl pede uma vodka com limão e acende o Marlboro no Marlboro do atendente e pergunta a quantas anda o movimento.
— Faz um tempo que você não aparece. Muito trampo?
As luzes acendem-se e apagam-se permitindo ver o que pode ser visto e não ver o que é melhor ficar oculto. Nas noites de frio, quando ainda não é inverno e temos um outono de belas cores, as noites servem para sonhar perfeição em seres imperfeitos. No andamento da mesma conversa, Demian encosta-se na parede escura e procura atrás da cortina algo para se distrair.
— Você já está dançando. O que mais precisa?
— Sei lá. Tem dias que é foda. Hoje eu acordei sem vontade de acordar. Sabe a música? Bilhetinho azul de mim mesmo, é o que eu queria.
Batgirl deixa o balcão onde está e vai para a pista de dança. Cumprimenta quinze pessoas das treze que rebolam, inclusive o bando de modernos, ex-colegas da PUC, e aproxima-se de Demian.
— Fiquei sabendo que você saiu da Macchina. Tudo bem?
— Claro. E você?
— Tudo.
Na rua das Flores o silêncio é tanto que dói. As câmeras de vigilância sanitária filmam o nada que há para ser filmado. (houve um tempo que era possível ir de lado a lado da cidade caminhando, sem medo ou coisa que o valha, Polaquinho)Uma ratazana sai do bueiro e observa o asfalto antes de atravessar correndo para apanhar os restos do sabiá que tombou após chocar-se no fio de luz.
— E hoje ainda é Quinta-feira.
— É verdade. Ainda tem a semana inteira pra viver.
— Quer uma vodka?
— Do que ele ta falando?
— Paciência, cara. Deixa ele terminar a frase.
Grupos de transeuntes indo de lado a lado da rua das Flores como se estivessem realmente a procura de algo fundamental. Um bando persecutório investigando as possibilidades do universo curitibano para, aqui nas terras das araucárias, ocultar sob algum petit-pave o cálice sagrado, a arca da aliança, o sarcófago de Thot, as madeixas de Nabucodonosor, a pele descamada de Amaterasu, o som senil do canto de Odin. Gente de sorrisos parcos e modos infaustos, conduzidos pelo impulso de respirar pois respirar é preciso, McDonalds não é preciso.
— O cara despirucou.
— Acho que ele ta tramando alguma coisa.
Entre esses homens e mulheres de casacos escuros e blusas de lã a imitar o tricô da vovó, estão os pós-punks de sempre, os rescaldos da terceira onda de Toffler, os herdeiros da mística I-Ching amancebada com a Bíblia de Bill Gates. Jovens e não tão jovens assim, rótulos crus de Balzac e um improvável Neuromancer hodierno. (Polaquinho, algo realmente sério está a acontecer e preciso te contar)As horas passam devagar como uma música de Marina entorpecida de Prozac. Batgirl fura a fila do Vox e procura um lugar para deixar o casaco. Desiste ao ver acumulado sobre encostos modelos ultrapassados de Prada e Miou-Miou.
— Eu não quero ficar igual essas aí!
Afirma de modo peremptório aos botões de sua blusa branca e cuidadosamente envelhecida com a química ancestral. Um bando de modernos fumadores de cigarros de cravo e bebedores de Tequila Sauza dança rock anos oitenta como se dançasse em alguma praça de Porto Seguro. Uma das garotas tem cabelos azuis e lábios pretos e não fosse o mancar disfarçado pelos saltos desnivelados seria a encarnação de Mortícia Adans. Não sorri, não fala, apenas move os braços fora do tempo da música e humilha os Cranberries chacoalhando as cadeiras em uma cadência de samba de crioulo doido.
— Conheço muitas assim.
Demian comenta que as coisas poderiam ser piores. Poderia estar desempregado, sem dinheiro, sem ter o que fazer da vida após ter saído da Macchina, a mais nova lanchonete de self-service de jingles a ficar sem um sócio garçom.
— Eu agüento tudo, menos voltar pra casa da minha mãe. Se bem que eu sinto saudade da sopinha antes de dormir.
Batgirl pede uma vodka com limão e acende o Marlboro no Marlboro do atendente e pergunta a quantas anda o movimento.
— Faz um tempo que você não aparece. Muito trampo?
As luzes acendem-se e apagam-se permitindo ver o que pode ser visto e não ver o que é melhor ficar oculto. Nas noites de frio, quando ainda não é inverno e temos um outono de belas cores, as noites servem para sonhar perfeição em seres imperfeitos. No andamento da mesma conversa, Demian encosta-se na parede escura e procura atrás da cortina algo para se distrair.
— Você já está dançando. O que mais precisa?
— Sei lá. Tem dias que é foda. Hoje eu acordei sem vontade de acordar. Sabe a música? Bilhetinho azul de mim mesmo, é o que eu queria.
Batgirl deixa o balcão onde está e vai para a pista de dança. Cumprimenta quinze pessoas das treze que rebolam, inclusive o bando de modernos, ex-colegas da PUC, e aproxima-se de Demian.
— Fiquei sabendo que você saiu da Macchina. Tudo bem?
— Claro. E você?
— Tudo.
Na rua das Flores o silêncio é tanto que dói. As câmeras de vigilância sanitária filmam o nada que há para ser filmado. (houve um tempo que era possível ir de lado a lado da cidade caminhando, sem medo ou coisa que o valha, Polaquinho)Uma ratazana sai do bueiro e observa o asfalto antes de atravessar correndo para apanhar os restos do sabiá que tombou após chocar-se no fio de luz.
— E hoje ainda é Quinta-feira.
— É verdade. Ainda tem a semana inteira pra viver.
— Quer uma vodka?
texto do sagae para o jornal do estado
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