quinta-feira, junho 08, 2006

E agora, Mané?

Levantei e joguei as cobertas no chão. Com os pés protegidos pela lã macia, fui me arrastando até o banheiro. Mijei fora do vaso. Se ali houvesse uma palmeira, estaria seca e morta faz séculos. Me encarando no espelho do armário, acendi um cigarro. Não fiquei vemelho e meus olhos continuaram caídos e pesados de olheiras. Realmente não pretendo parar de fumar; muito menos de beber. Cuspo pela janela e fica o catarro pendurado na borda do vidro. Eu poderia limpar com o papel higiênico duas fohas extra-macio que meu traseiro pede como sendo essencial ao meu bem estar. Poderia. Passo o pente pelos cabelos e arranco os fios que escapam de mim. Covardes desgraçados. Ratazanas de navio doidos para me abandonar. Jogo todos, com desprezo, no vaso. Se ali houvesse uma palmeira, seria a mais cabeludas das palmeiras. Dou a descarga e passo pasta na escova de dentes. Mexo o troço na boca até parecer um cachorro louco desolado com a própria desgraça. Enxaguo e ao erguer a cabeça xingo a última geração do pedreiro. Como dói acertar o cucuruto na bosta do armário. Poderia ter quebrado o espelho. Mais sete anos de azar. Somando seria 149, no total. Nada mal pra uma manhã sem perspectivas. E ainda tenho que trabalhar e fazer cara de honesto. Qualquer hora desisto e pulo pela janela. Isso se a teia de catarro me deixar. Periga eu ficar preso como uma mosca. Deve ser desesperador. Tanto quanto ir pro escritório encarar aquele bando de idiotas. Acendo mais um cigarro e deito na cama. A lã macia me acomoda como os braços de uma amante carinhosa. Ou pelo menos acho que deve ser assim. Prostitutas não servem como exemplo. Amantes carinhosas... coisa de cinema. Mulheres. Durmo torcendo por um sonho pornográfico. Desde a adolescência não tenho polução noturna, muito menos matutina. Ou talvez seja melhor não. Só tenho um cobertor.