Quero ser Peggy Guggenheim
Não tenho talento pra fazer porra nenhuma. Parece triste, mas não é. Explico.
Passei a vida toda atormentada pelo fato de ver meus amigos mais próximos, grandes artistas, escritores, intelectuais, médicos, engenheiros, advogados se darem bem na vida e eu lá, apagadinha, desmilinguida, sem nenhuma grande obra para oferecer ao mundo.
Na verdade, desde criança, sofro com a pressão de ser uma menina inteligente. Fiz dois testes QI na vida. Um deu 146, outro, 154. Não chega a ser um QI excepcional, de gênio, mas é alto, bem alto. O suficiente para justificar um cargo desses de diretor de multinacional, astronauta, diplomata, decodificador do genoma de um desses bichos irrelevantes, como uma ovelha, por exemplo. Mas para quê, meu deus? Pra que fazer isso?
Por alguma infeliz fatalidade do destino, descobri que gosto de gente. De gente! Que coisa mais prosaica! Por que eu não quis ser uma economista ganhadora do Nobel? Teria sido mais fácil.
Acho que meu QI na verdade é uma espécie de inteligência da lógica, é bastante restrito a isso, na verdade. Consigo achar lógica e sistematizar quase qualquer coisa. Seria ótimo se eu fosse um broquer em Wall Street. Eu provavelmente estaria rica a uma altura dessas, mas não... A minha grande inteligência não me impediu de ser burra o suficiente para gostar de gente. O que, logicamente me leva a seguinte duvida: isso me serve para alguma coisa, já que adoro um treco que não tem lógica nenhuma?
Na verdade, minha inteligência suprema me fez filosofar profundamente na natureza humana, e a minha grande conclusão para o mundo é de que: homens e mulheres são coisas diferentes. Mulher é feminina, delicada e romântica. Muito romântica. Homens são seres fortes, bonitos e viris, e se puderem vir com aquele queixo quadrado talhado a machado à lá Brad Pitt, melhor ainda. Mais do que isso, homens são os provedores, apaixonados, trabalhadores que deveriam matar-se em guerras para defender o bem estar de suas mulheres.
Dito isso, pela lógica, o que sobrou de interessante para nós - mulherzinhas - fazermos nesta vida é ser musa de grandes homens. Nada de musas mequetrefes, daquelas de inspiram o tio da quitanda a dar um tiro no entregador de berinjelas que olhou para bunda de sua amada. Ah não, isso não! Legal é ser assim uma Gala da vida. Ser musa de um Dali. Ser enterrada num Dior vermelho, e ser levada até a cova pelo grande pintor em pessoa. Aliás, ele mesmo terá que dirigir o Mecedez até o castelo enquanto a musa está lá, de vermelho, sentada no banco de trás, linda para ele, ainda que seca, dura, fria e mortinha da silva. Bom é ser Lou Salome, e ver Rilke e Nietzche saírem na porrada por sua causa. Ver aquele bigodão do grande pensador abraçado a uma cabeça de cavalo, louco de amor. E Lois Lane? Que romântico! Super Homem salva o mundo de dia e volta correndo para casa a noite para esquentar seus delicados pezinhos. Que beleza!
Musa não precisa fazer nada! Musa é musa! Musa é a razão de ser dos grandes homens. Se você acha que é um grande homem e não tem uma musa... Iiiiii, não sei não, filho. Falta o motivo natural para as coisas. Falta uma mulher! Uma mulher, rapaz!, é o que faz os grandes homens construir as grandes obras do mundo.
Musa é o que nós mulheres queremos ser nesses tempos pós-feministas. O grande tiro que saiu pela culatra. Até a Camille Paglia acha isso, sabia? Deu tudo errado.Quisemos inverter os papéis e não deu certo. Nós ficamos sem as grandes obras dedicadas a nós, e eles ficaram sem o porque das coisas. Ou viraram metrosexuais.
Bah! Metrosexuais. Coisa de viadinho. Homem é homem, porra. Homem não pinta a unha! Não passa mais tempo no banheiro do que sua musa! Não faz por si, faz por ela! E não me venham com esse papo furado daquela Victória Beckham. Ela não é musa. O marido, como Narciso, ainda morre afogado. E, além do mais, musa nunca se fode. Victória tomou um corno da modelo gostosona da Espanha e ainda por cima foi à imprensa defender o marido. Ou o bolso, ou sei lá o que, mas isso não é coisa de musa. Musa que é musa ou bateria no desgraçado com o rolo de macarrão até que ele se desse conta de que ela é a razão do seu viver ou iria simplesmente embora. E deixaria ele morrer afogado em suas próprias lágrimas, sentindo a cagada que fez. Se bem que musa não se fode. Nunca! Musa é musa e pronto. Nada de concessões.
Então... queremos ser todas musas mesmo.
Mas, e o QI? O que fazer com esse maldito? A gente pensa também... Queremos algumas coisinhas a mais da vida que um homem muito viril, apaixonado e talentoso não pode nos dar. Variedade, por exemplo. Homem apaixonado demais cansa. É chato. Ser musa também é difícil. Exige um estado de abnegação incrível. Ficar a vida inteira a inspirar aquele idiota babão dá um trabalho desgraçado.
Acho que a nós, menininhas, resta somente uma grande musa: Peggy Guggenheim. Ela é minha musa.
Por que? Você veja bem: ela não era para ser nada além de um herdeirazinha insignificante e feiosa. Coitada. Sem talentos. Sem prendas. Sem amigos. Uma nada. Pobre menina rica. Mas ela descobriu que fazer, fazer mesmo, não sabia fazer nada. Mas tinha bom gosto. Tinha dinheiro. Não se entristeceu para sempre com a perda dos pais. Aproveitou a súbita liberdade, o que valia ouro naquela época, e foi passear pelo Soho, MontMartre, pelo Bairro Alto de Lisboa, o Guinza em Tóquio, todos esses lugares descolados onde os artistas, falidos ou não, circulam.
E com toda a sua grana, foi seduzindo rapazes telentosos, que ela reconhecia com seu precioso faro, e foi ajudando os meninos comprando deles por assombrosos quinhentos dollares as pinturas, e recolocando-os no mercado mais tarde por dois milhões de dollares. Um puta negócio! Afinal, crianças, não esqueçam: a moça era judia. Seria uma desfeita não ter ao menos o talento de fazer bons negócios.
Peggy montou a maior fundação cultural do mundo. Peggy quinquiplicou a fortuna herdada. Peggy criou a rede de museus mais cool do mundo. Peggy descobriu sozinha metade dos artistas plásticos pós-modernos. Peggy comeu todo mundo. Fez o que quis. Deu vazão ao seu talento para as artes, para os negócios e para o sexo. E divertiu-se pra caralho e mais que todo mundo. Sem, teoricamente, fazer nada. Sem um trabalho, sem uma carreira, foi tudo meio sem querer, como as musas.
Acho que não quero ser musa. Quero ser Peggy Guggenheim.
Passei a vida toda atormentada pelo fato de ver meus amigos mais próximos, grandes artistas, escritores, intelectuais, médicos, engenheiros, advogados se darem bem na vida e eu lá, apagadinha, desmilinguida, sem nenhuma grande obra para oferecer ao mundo.
Na verdade, desde criança, sofro com a pressão de ser uma menina inteligente. Fiz dois testes QI na vida. Um deu 146, outro, 154. Não chega a ser um QI excepcional, de gênio, mas é alto, bem alto. O suficiente para justificar um cargo desses de diretor de multinacional, astronauta, diplomata, decodificador do genoma de um desses bichos irrelevantes, como uma ovelha, por exemplo. Mas para quê, meu deus? Pra que fazer isso?
Por alguma infeliz fatalidade do destino, descobri que gosto de gente. De gente! Que coisa mais prosaica! Por que eu não quis ser uma economista ganhadora do Nobel? Teria sido mais fácil.
Acho que meu QI na verdade é uma espécie de inteligência da lógica, é bastante restrito a isso, na verdade. Consigo achar lógica e sistematizar quase qualquer coisa. Seria ótimo se eu fosse um broquer em Wall Street. Eu provavelmente estaria rica a uma altura dessas, mas não... A minha grande inteligência não me impediu de ser burra o suficiente para gostar de gente. O que, logicamente me leva a seguinte duvida: isso me serve para alguma coisa, já que adoro um treco que não tem lógica nenhuma?
Na verdade, minha inteligência suprema me fez filosofar profundamente na natureza humana, e a minha grande conclusão para o mundo é de que: homens e mulheres são coisas diferentes. Mulher é feminina, delicada e romântica. Muito romântica. Homens são seres fortes, bonitos e viris, e se puderem vir com aquele queixo quadrado talhado a machado à lá Brad Pitt, melhor ainda. Mais do que isso, homens são os provedores, apaixonados, trabalhadores que deveriam matar-se em guerras para defender o bem estar de suas mulheres.
Dito isso, pela lógica, o que sobrou de interessante para nós - mulherzinhas - fazermos nesta vida é ser musa de grandes homens. Nada de musas mequetrefes, daquelas de inspiram o tio da quitanda a dar um tiro no entregador de berinjelas que olhou para bunda de sua amada. Ah não, isso não! Legal é ser assim uma Gala da vida. Ser musa de um Dali. Ser enterrada num Dior vermelho, e ser levada até a cova pelo grande pintor em pessoa. Aliás, ele mesmo terá que dirigir o Mecedez até o castelo enquanto a musa está lá, de vermelho, sentada no banco de trás, linda para ele, ainda que seca, dura, fria e mortinha da silva. Bom é ser Lou Salome, e ver Rilke e Nietzche saírem na porrada por sua causa. Ver aquele bigodão do grande pensador abraçado a uma cabeça de cavalo, louco de amor. E Lois Lane? Que romântico! Super Homem salva o mundo de dia e volta correndo para casa a noite para esquentar seus delicados pezinhos. Que beleza!
Musa não precisa fazer nada! Musa é musa! Musa é a razão de ser dos grandes homens. Se você acha que é um grande homem e não tem uma musa... Iiiiii, não sei não, filho. Falta o motivo natural para as coisas. Falta uma mulher! Uma mulher, rapaz!, é o que faz os grandes homens construir as grandes obras do mundo.
Musa é o que nós mulheres queremos ser nesses tempos pós-feministas. O grande tiro que saiu pela culatra. Até a Camille Paglia acha isso, sabia? Deu tudo errado.Quisemos inverter os papéis e não deu certo. Nós ficamos sem as grandes obras dedicadas a nós, e eles ficaram sem o porque das coisas. Ou viraram metrosexuais.
Bah! Metrosexuais. Coisa de viadinho. Homem é homem, porra. Homem não pinta a unha! Não passa mais tempo no banheiro do que sua musa! Não faz por si, faz por ela! E não me venham com esse papo furado daquela Victória Beckham. Ela não é musa. O marido, como Narciso, ainda morre afogado. E, além do mais, musa nunca se fode. Victória tomou um corno da modelo gostosona da Espanha e ainda por cima foi à imprensa defender o marido. Ou o bolso, ou sei lá o que, mas isso não é coisa de musa. Musa que é musa ou bateria no desgraçado com o rolo de macarrão até que ele se desse conta de que ela é a razão do seu viver ou iria simplesmente embora. E deixaria ele morrer afogado em suas próprias lágrimas, sentindo a cagada que fez. Se bem que musa não se fode. Nunca! Musa é musa e pronto. Nada de concessões.
Então... queremos ser todas musas mesmo.
Mas, e o QI? O que fazer com esse maldito? A gente pensa também... Queremos algumas coisinhas a mais da vida que um homem muito viril, apaixonado e talentoso não pode nos dar. Variedade, por exemplo. Homem apaixonado demais cansa. É chato. Ser musa também é difícil. Exige um estado de abnegação incrível. Ficar a vida inteira a inspirar aquele idiota babão dá um trabalho desgraçado.
Acho que a nós, menininhas, resta somente uma grande musa: Peggy Guggenheim. Ela é minha musa.
Por que? Você veja bem: ela não era para ser nada além de um herdeirazinha insignificante e feiosa. Coitada. Sem talentos. Sem prendas. Sem amigos. Uma nada. Pobre menina rica. Mas ela descobriu que fazer, fazer mesmo, não sabia fazer nada. Mas tinha bom gosto. Tinha dinheiro. Não se entristeceu para sempre com a perda dos pais. Aproveitou a súbita liberdade, o que valia ouro naquela época, e foi passear pelo Soho, MontMartre, pelo Bairro Alto de Lisboa, o Guinza em Tóquio, todos esses lugares descolados onde os artistas, falidos ou não, circulam.
E com toda a sua grana, foi seduzindo rapazes telentosos, que ela reconhecia com seu precioso faro, e foi ajudando os meninos comprando deles por assombrosos quinhentos dollares as pinturas, e recolocando-os no mercado mais tarde por dois milhões de dollares. Um puta negócio! Afinal, crianças, não esqueçam: a moça era judia. Seria uma desfeita não ter ao menos o talento de fazer bons negócios.
Peggy montou a maior fundação cultural do mundo. Peggy quinquiplicou a fortuna herdada. Peggy criou a rede de museus mais cool do mundo. Peggy descobriu sozinha metade dos artistas plásticos pós-modernos. Peggy comeu todo mundo. Fez o que quis. Deu vazão ao seu talento para as artes, para os negócios e para o sexo. E divertiu-se pra caralho e mais que todo mundo. Sem, teoricamente, fazer nada. Sem um trabalho, sem uma carreira, foi tudo meio sem querer, como as musas.
Acho que não quero ser musa. Quero ser Peggy Guggenheim.
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