NOISEORQUE
Por Wilson Sagae
Mermão, vou te falar o que é a cena rock novaiorquina. Sabe a casa da tua tia-avó, quando ela faz aniversário é você obrigado a ir? Pois é isso aí. Um monte de gente que parece conhecida, que deveria ser conhecida, mas não é. Falando de coisas que você já ouviu milhares de vezes e, mesmo assim, eles insistem em dizer. Deu pra entender? New York virou terreno fértil pro cliché. De Manhatan ao Blooklin, da quinta à qüinquagésima avenida, é tudo cheiro de grana mofada nas carteiras preservativas, prontas a comprar a roupa da moda, a idéia da moda, o som da moda, o caixão da moda, o cheiro da moda – se é que você me entende...
(Hilly Cristal morreu, man. Depois que fecharam o CBGB é como o Papai Noel. Uma sombra que você vê em determinados momentos. Com a desvantagem de que esses momentos não ocorrerem com tanta freqüência quanto o natal)
O prédio que era o boteco mais manêro do punk rock virou um condomínio de luxo. Um lugar que nem eu, nem você, vamos nunca pôr os pés. E não é só o CBGB que foi pro vinagre. O Fez, no East Village também pediu a conta. E olha que foi lá que tocou gente como Jeff Buckley e Johnny Cash. Outro que deu pra trás na fórmula um da corrida imobiliária foi o Luna Lounge, no Lower East Side. Era nesse buraco de cucarachas que o Interpol tocava antes de ser o queridinho das revistas de comportamento rebelde adolescente – se é que você me entende.
(o que a gente tem hoje na crista no bueiro que virou a big apple é o Tv On the Radio, Yeah Yeah Yeahs, Professor Murder, Akron Family e por aí vai. Nem vou citar o resto porque, provavelmente, se você não for um maluco pelo rock indie ou um suicida da comunicação muda, não vai saber do que estou falando)
Tudo certo, mano? Ta entendendo onde eu quero chegar? Lixo, no geral, lixo. E o mais revoltante é que eu sou um cara que nasceu e cresceu ouvindo bateria e guitarras estourando os tímpanos (salve 23% a menos de audição no ouvido direito). Ver e ouvir isso acontecendo é como entregar de bandeja minha juventude e gritar pelo mundo que me caparam e eu não berrei em protesto.
Pois é. Mas nem tudo vira bosta. Ou merda, se quiserem os puristas da escatologia. De vez em quando aparece algo que dá um vento na cara. Uma brisa marinha que escapa de Conney Island. No último final de ano, antes do CBGB fechar as portas, antes do fatídico protesto em que a Patti Smith apareceu com o cabelo mais branco que o abominável homem das neves, fui de gaiato até a bodega fazer minha homenagem. Paguei, entrei e fui até o bar (uma merda depois que proibiram o cigarro e a bebida mais consumida virou o cointreau – se é que você me entende). Não sei dizer que horas eram porque eu, além de ter perdido meu relógio no aeroporto (os caras da alfândega encrencaram com a correia de metal. Affff). Bebi uma cerveja e fiquei olhando pro chão imundo e prá cara das pessoas. Festa de final de ano, ou deveria ser festa de ano novo. Final de ano, vamos chamar assim pelo horário. Tenho certeza que ainda não tinha passado da meia-noite.
Tomei quatro ou quinze cervejas e fui até o banheiro. Amigo, se você não foi ao banheiro de um boteco de noiseorque você não sabe o que é porcaria. E não estou falando só da descarga encrencada ou do chão mar tomado de urina. As paredes e as portas são tão rabiscadas, e por tantos nomes conhecidos e nem tanto, que você pensa que ali está a árvore genealógica dada origem pelo May Flower. É tanta gente, falando tanta merda que você entende que só ali mesmo, no banheiro, é possível suportar.
Tranquei a porta e acendi um cigarro e finalmente respirei. Enquanto fazia o serviço, achei um recado da Laurie Anderson pra alguma outra namorada. Tinha também uma assinatura que, penso eu, devia ser do Bruce Springsteen. Todos pessoas que começaram ali a carreira. Além, claro, do Talking Heads, Televisions, Ramones, New York Dools, Strokes, The Killers. Só que destes não vi nenhum sinal.
Joguei o cigarro no vaso e voltei pro salão. Nada gigante. Pequeno, até. No palco, estava uma banda que tinha um vocalista que me lembrou alguém. BMR. Black Market Radio. Nome manêro e um som interessante. Algo como um grunge revisitado. Muitos riffs e melodias poderosas. Se eu não estivesse na vigésima trinta e dez cervejas, diria algo mais poético e melancólico, mas – se é que você me entende – fico no du cacete.
O povo pulando e o som rolando e – vejam vocês – notei que o baterista é a cara do Reembrandt. O pintor holandês. Aquele que ilumina as imagens como se o dedo de deus menino fizesse a mistura de tintas. Um aspecto que deve ser mencionado.
De repente, não mais que de repente, uma dona qualquer caiu do meu lado e pediu ajuda. Claro, como bom cavalheiro fiquei na minha. Deixei que outro se dispusesse. Noiseorque é noiseorque e não adianta. Ninguém deu nem tchuns. Acabei cedendo e estendi a mão. A louca aceitou e
- Sabe que o baixista mixou o disco do Lenny Kravitz?
devolvi a groupie de jardim da infância ao chão. Caramba, sabe-se-lá se ela ia, a seguir, me pedir um gole da cerveja. Cevada só se divide com o vaso sanitário e, benzadeus, só porque é inevitável e se eu fizesse na pilastra preta seria jogado pra fora. Sem querer parecer deslumbrado, eu estava gostando do show.
E foi aí que eu descobri as horas. Alguém berrou que era ano novo e todos fizeram um instante de silêncio e explodiram os berros e abraços e beijos (não, a louca não veio pra cima de mim. Nesse momento ela estava na beira do palco implorando por um beijo do vocalista)
- Chris, Chris Cornell, please.
Foi aí que eu percebi. Quando o vocalista catou o microfone e berrou que a banda era o Black Market Radio e ele era o Peter Cornell. O irmão do cara do Soundgarden. Voz parecida, cara idem.
Meia-noite e dez minutos, a banda tocando. Foi du cacete. Seria melhor se eu lembrasse com mais clareza o que aconteceu depois. Mas, infelizmente, tudo o que eu sei é de mim acordando e vendo uma loira descabelada ao meu lado. No som estéreo tocando uma música que acho que ouvi na madrugada que tinha passado. Enfim, Nova Iorque ainda tem esperanças.
Mermão, vou te falar o que é a cena rock novaiorquina. Sabe a casa da tua tia-avó, quando ela faz aniversário é você obrigado a ir? Pois é isso aí. Um monte de gente que parece conhecida, que deveria ser conhecida, mas não é. Falando de coisas que você já ouviu milhares de vezes e, mesmo assim, eles insistem em dizer. Deu pra entender? New York virou terreno fértil pro cliché. De Manhatan ao Blooklin, da quinta à qüinquagésima avenida, é tudo cheiro de grana mofada nas carteiras preservativas, prontas a comprar a roupa da moda, a idéia da moda, o som da moda, o caixão da moda, o cheiro da moda – se é que você me entende...
(Hilly Cristal morreu, man. Depois que fecharam o CBGB é como o Papai Noel. Uma sombra que você vê em determinados momentos. Com a desvantagem de que esses momentos não ocorrerem com tanta freqüência quanto o natal)
O prédio que era o boteco mais manêro do punk rock virou um condomínio de luxo. Um lugar que nem eu, nem você, vamos nunca pôr os pés. E não é só o CBGB que foi pro vinagre. O Fez, no East Village também pediu a conta. E olha que foi lá que tocou gente como Jeff Buckley e Johnny Cash. Outro que deu pra trás na fórmula um da corrida imobiliária foi o Luna Lounge, no Lower East Side. Era nesse buraco de cucarachas que o Interpol tocava antes de ser o queridinho das revistas de comportamento rebelde adolescente – se é que você me entende.
(o que a gente tem hoje na crista no bueiro que virou a big apple é o Tv On the Radio, Yeah Yeah Yeahs, Professor Murder, Akron Family e por aí vai. Nem vou citar o resto porque, provavelmente, se você não for um maluco pelo rock indie ou um suicida da comunicação muda, não vai saber do que estou falando)
Tudo certo, mano? Ta entendendo onde eu quero chegar? Lixo, no geral, lixo. E o mais revoltante é que eu sou um cara que nasceu e cresceu ouvindo bateria e guitarras estourando os tímpanos (salve 23% a menos de audição no ouvido direito). Ver e ouvir isso acontecendo é como entregar de bandeja minha juventude e gritar pelo mundo que me caparam e eu não berrei em protesto.
Pois é. Mas nem tudo vira bosta. Ou merda, se quiserem os puristas da escatologia. De vez em quando aparece algo que dá um vento na cara. Uma brisa marinha que escapa de Conney Island. No último final de ano, antes do CBGB fechar as portas, antes do fatídico protesto em que a Patti Smith apareceu com o cabelo mais branco que o abominável homem das neves, fui de gaiato até a bodega fazer minha homenagem. Paguei, entrei e fui até o bar (uma merda depois que proibiram o cigarro e a bebida mais consumida virou o cointreau – se é que você me entende). Não sei dizer que horas eram porque eu, além de ter perdido meu relógio no aeroporto (os caras da alfândega encrencaram com a correia de metal. Affff). Bebi uma cerveja e fiquei olhando pro chão imundo e prá cara das pessoas. Festa de final de ano, ou deveria ser festa de ano novo. Final de ano, vamos chamar assim pelo horário. Tenho certeza que ainda não tinha passado da meia-noite.
Tomei quatro ou quinze cervejas e fui até o banheiro. Amigo, se você não foi ao banheiro de um boteco de noiseorque você não sabe o que é porcaria. E não estou falando só da descarga encrencada ou do chão mar tomado de urina. As paredes e as portas são tão rabiscadas, e por tantos nomes conhecidos e nem tanto, que você pensa que ali está a árvore genealógica dada origem pelo May Flower. É tanta gente, falando tanta merda que você entende que só ali mesmo, no banheiro, é possível suportar.
Tranquei a porta e acendi um cigarro e finalmente respirei. Enquanto fazia o serviço, achei um recado da Laurie Anderson pra alguma outra namorada. Tinha também uma assinatura que, penso eu, devia ser do Bruce Springsteen. Todos pessoas que começaram ali a carreira. Além, claro, do Talking Heads, Televisions, Ramones, New York Dools, Strokes, The Killers. Só que destes não vi nenhum sinal.
Joguei o cigarro no vaso e voltei pro salão. Nada gigante. Pequeno, até. No palco, estava uma banda que tinha um vocalista que me lembrou alguém. BMR. Black Market Radio. Nome manêro e um som interessante. Algo como um grunge revisitado. Muitos riffs e melodias poderosas. Se eu não estivesse na vigésima trinta e dez cervejas, diria algo mais poético e melancólico, mas – se é que você me entende – fico no du cacete.
O povo pulando e o som rolando e – vejam vocês – notei que o baterista é a cara do Reembrandt. O pintor holandês. Aquele que ilumina as imagens como se o dedo de deus menino fizesse a mistura de tintas. Um aspecto que deve ser mencionado.
De repente, não mais que de repente, uma dona qualquer caiu do meu lado e pediu ajuda. Claro, como bom cavalheiro fiquei na minha. Deixei que outro se dispusesse. Noiseorque é noiseorque e não adianta. Ninguém deu nem tchuns. Acabei cedendo e estendi a mão. A louca aceitou e
- Sabe que o baixista mixou o disco do Lenny Kravitz?
devolvi a groupie de jardim da infância ao chão. Caramba, sabe-se-lá se ela ia, a seguir, me pedir um gole da cerveja. Cevada só se divide com o vaso sanitário e, benzadeus, só porque é inevitável e se eu fizesse na pilastra preta seria jogado pra fora. Sem querer parecer deslumbrado, eu estava gostando do show.
E foi aí que eu descobri as horas. Alguém berrou que era ano novo e todos fizeram um instante de silêncio e explodiram os berros e abraços e beijos (não, a louca não veio pra cima de mim. Nesse momento ela estava na beira do palco implorando por um beijo do vocalista)
- Chris, Chris Cornell, please.
Foi aí que eu percebi. Quando o vocalista catou o microfone e berrou que a banda era o Black Market Radio e ele era o Peter Cornell. O irmão do cara do Soundgarden. Voz parecida, cara idem.
Meia-noite e dez minutos, a banda tocando. Foi du cacete. Seria melhor se eu lembrasse com mais clareza o que aconteceu depois. Mas, infelizmente, tudo o que eu sei é de mim acordando e vendo uma loira descabelada ao meu lado. No som estéreo tocando uma música que acho que ouvi na madrugada que tinha passado. Enfim, Nova Iorque ainda tem esperanças.
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