E agora, Mané? 3
Gerson é uma pessoa de qualidades intrínsecas. Quer dizer, não tem qualidades. O que não limita sua capacidade de me fazer rir. Semana passada, após um desafogo emocional com uma jovem babá bicentenária, Gerson voltou para casa e anunciou à Vilma que a tinha traído. Abriu a geladeira e tomou duas cervejas long neck e foi para a sala e ficou assistindo ao Jornal da Noite. Vilma, com a cara apertada como um nó górdio, recostou-se à porta e parecia pensar nas mil conseqüências que adviriam de suas próximas palavras. Gerson havia chegado quatro horas mais tarde que o normal; bebia cerveja antes de dormir, o que a deixava louca; estava com os pés calçados jogados sobre a mesa de centro art-decô, o que simplesmente era o mesmo que chamá-la de a maior prostituta da Babilônia. Algo estava errado. E o que queria dizer traído?
- Você está tramando alguma coisa. Pode ir falando.
Gerson arrotou e mudou pra um programa de entrevistas.
- Não me vem com traição e coisa e tal. Eu sei que é tudo mentira. O que foi que você aprontou?
Largando a televisão e Sílvio Santos com a cara esticada, Gerson coçou os grãos e disse quase derrubando os quadros da parede.
- Nunca mais tire meu travesseiro do meio das pernas!
Vilma ouviu espantada e começou a rir. Antes de irem pra cama, fez com que Gerson tomasse um Viagra para celebrar as alegrias do casamento longevo.
- E ficou nisso?
- Cara, me diz Gerson palitando os dentes e tirando uma tonelada de picanha mal passada, tem dias que me odeio por ser tão esperto.
Pergunto se bebemos mais uma cerveja ou partimos pro uísque.
- Vamos ao digestivo de cavalheiros. Garçom, duas doses de Jack, caprichadas!
Limpo a boca dos respingos de gordura e salada de brócolis (tenho pensado na saúde desde que Juvenal morreu de ataque cardíaco no quarto de motel ao lado).
- Eu estou com a Vilma por conveniência. Depois de dez anos não dá pra simplesmente ir saindo, como se nada tivesse acontecido.
- Ela gosta de você.
- Quando ela te disse isso?
- Quando?
Olho para Gerson e vejo que sua pergunta é inocente. Mudo de assunto.
- Ela ainda fala a noite?
- Depois que foi ao médico, melhorou. Pelamordedeus! Depois daquela madrugada dos infernos eu tive que reclamar. Como alguém pode aceitar como natural ser acordado pela mulher ao lado gritando "égua, vai égua preta!", e repetindo esse discurso socrático a cem decibéis por vez.
- Ela devia ir ao analista.
- Eu tive que ir ao gastro. De tanto rir estourou uma íngua na minha barriga. Fui advertido que, se tivesse outro acesso de riso igual, podia até ficar aleijado.
- Ainda bem que tudo se rsolveu.
- Ainda bem.
Erguemos um brinde e pedimos outra dose.
- Merda, reclamo, esqueci a escova de dentes.
- Sem problemas, quando fui vomitar liguei pros bombeiros e avisei que tem uma bomba escondida no subsolo. Eles vão, no mínimo, gastar a tarde procurando.
Decidimos visitar algumas amigas após a digestão, em memório do Juvenal.
- Você está tramando alguma coisa. Pode ir falando.
Gerson arrotou e mudou pra um programa de entrevistas.
- Não me vem com traição e coisa e tal. Eu sei que é tudo mentira. O que foi que você aprontou?
Largando a televisão e Sílvio Santos com a cara esticada, Gerson coçou os grãos e disse quase derrubando os quadros da parede.
- Nunca mais tire meu travesseiro do meio das pernas!
Vilma ouviu espantada e começou a rir. Antes de irem pra cama, fez com que Gerson tomasse um Viagra para celebrar as alegrias do casamento longevo.
- E ficou nisso?
- Cara, me diz Gerson palitando os dentes e tirando uma tonelada de picanha mal passada, tem dias que me odeio por ser tão esperto.
Pergunto se bebemos mais uma cerveja ou partimos pro uísque.
- Vamos ao digestivo de cavalheiros. Garçom, duas doses de Jack, caprichadas!
Limpo a boca dos respingos de gordura e salada de brócolis (tenho pensado na saúde desde que Juvenal morreu de ataque cardíaco no quarto de motel ao lado).
- Eu estou com a Vilma por conveniência. Depois de dez anos não dá pra simplesmente ir saindo, como se nada tivesse acontecido.
- Ela gosta de você.
- Quando ela te disse isso?
- Quando?
Olho para Gerson e vejo que sua pergunta é inocente. Mudo de assunto.
- Ela ainda fala a noite?
- Depois que foi ao médico, melhorou. Pelamordedeus! Depois daquela madrugada dos infernos eu tive que reclamar. Como alguém pode aceitar como natural ser acordado pela mulher ao lado gritando "égua, vai égua preta!", e repetindo esse discurso socrático a cem decibéis por vez.
- Ela devia ir ao analista.
- Eu tive que ir ao gastro. De tanto rir estourou uma íngua na minha barriga. Fui advertido que, se tivesse outro acesso de riso igual, podia até ficar aleijado.
- Ainda bem que tudo se rsolveu.
- Ainda bem.
Erguemos um brinde e pedimos outra dose.
- Merda, reclamo, esqueci a escova de dentes.
- Sem problemas, quando fui vomitar liguei pros bombeiros e avisei que tem uma bomba escondida no subsolo. Eles vão, no mínimo, gastar a tarde procurando.
Decidimos visitar algumas amigas após a digestão, em memório do Juvenal.