quinta-feira, maio 04, 2006

Quero ser Peggy Guggenheim

Não tenho talento pra fazer porra nenhuma. Parece triste, mas não é. Explico.
Passei a vida toda atormentada pelo fato de ver meus amigos mais próximos, grandes artistas, escritores, intelectuais, médicos, engenheiros, advogados se darem bem na vida e eu lá, apagadinha, desmilinguida, sem nenhuma grande obra para oferecer ao mundo.
Na verdade, desde criança, sofro com a pressão de ser uma menina inteligente. Fiz dois testes QI na vida. Um deu 146, outro, 154. Não chega a ser um QI excepcional, de gênio, mas é alto, bem alto. O suficiente para justificar um cargo desses de diretor de multinacional, astronauta, diplomata, decodificador do genoma de um desses bichos irrelevantes, como uma ovelha, por exemplo. Mas para quê, meu deus? Pra que fazer isso?
Por alguma infeliz fatalidade do destino, descobri que gosto de gente. De gente! Que coisa mais prosaica! Por que eu não quis ser uma economista ganhadora do Nobel? Teria sido mais fácil.
Acho que meu QI na verdade é uma espécie de inteligência da lógica, é bastante restrito a isso, na verdade. Consigo achar lógica e sistematizar quase qualquer coisa. Seria ótimo se eu fosse um broquer em Wall Street. Eu provavelmente estaria rica a uma altura dessas, mas não... A minha grande inteligência não me impediu de ser burra o suficiente para gostar de gente. O que, logicamente me leva a seguinte duvida: isso me serve para alguma coisa, já que adoro um treco que não tem lógica nenhuma?
Na verdade, minha inteligência suprema me fez filosofar profundamente na natureza humana, e a minha grande conclusão para o mundo é de que: homens e mulheres são coisas diferentes. Mulher é feminina, delicada e romântica. Muito romântica. Homens são seres fortes, bonitos e viris, e se puderem vir com aquele queixo quadrado talhado a machado à lá Brad Pitt, melhor ainda. Mais do que isso, homens são os provedores, apaixonados, trabalhadores que deveriam matar-se em guerras para defender o bem estar de suas mulheres.
Dito isso, pela lógica, o que sobrou de interessante para nós - mulherzinhas - fazermos nesta vida é ser musa de grandes homens. Nada de musas mequetrefes, daquelas de inspiram o tio da quitanda a dar um tiro no entregador de berinjelas que olhou para bunda de sua amada. Ah não, isso não! Legal é ser assim uma Gala da vida. Ser musa de um Dali. Ser enterrada num Dior vermelho, e ser levada até a cova pelo grande pintor em pessoa. Aliás, ele mesmo terá que dirigir o Mecedez até o castelo enquanto a musa está lá, de vermelho, sentada no banco de trás, linda para ele, ainda que seca, dura, fria e mortinha da silva. Bom é ser Lou Salome, e ver Rilke e Nietzche saírem na porrada por sua causa. Ver aquele bigodão do grande pensador abraçado a uma cabeça de cavalo, louco de amor. E Lois Lane? Que romântico! Super Homem salva o mundo de dia e volta correndo para casa a noite para esquentar seus delicados pezinhos. Que beleza!
Musa não precisa fazer nada! Musa é musa! Musa é a razão de ser dos grandes homens. Se você acha que é um grande homem e não tem uma musa... Iiiiii, não sei não, filho. Falta o motivo natural para as coisas. Falta uma mulher! Uma mulher, rapaz!, é o que faz os grandes homens construir as grandes obras do mundo.
Musa é o que nós mulheres queremos ser nesses tempos pós-feministas. O grande tiro que saiu pela culatra. Até a Camille Paglia acha isso, sabia? Deu tudo errado.Quisemos inverter os papéis e não deu certo. Nós ficamos sem as grandes obras dedicadas a nós, e eles ficaram sem o porque das coisas. Ou viraram metrosexuais.
Bah! Metrosexuais. Coisa de viadinho. Homem é homem, porra. Homem não pinta a unha! Não passa mais tempo no banheiro do que sua musa! Não faz por si, faz por ela! E não me venham com esse papo furado daquela Victória Beckham. Ela não é musa. O marido, como Narciso, ainda morre afogado. E, além do mais, musa nunca se fode. Victória tomou um corno da modelo gostosona da Espanha e ainda por cima foi à imprensa defender o marido. Ou o bolso, ou sei lá o que, mas isso não é coisa de musa. Musa que é musa ou bateria no desgraçado com o rolo de macarrão até que ele se desse conta de que ela é a razão do seu viver ou iria simplesmente embora. E deixaria ele morrer afogado em suas próprias lágrimas, sentindo a cagada que fez. Se bem que musa não se fode. Nunca! Musa é musa e pronto. Nada de concessões.
Então... queremos ser todas musas mesmo.
Mas, e o QI? O que fazer com esse maldito? A gente pensa também... Queremos algumas coisinhas a mais da vida que um homem muito viril, apaixonado e talentoso não pode nos dar. Variedade, por exemplo. Homem apaixonado demais cansa. É chato. Ser musa também é difícil. Exige um estado de abnegação incrível. Ficar a vida inteira a inspirar aquele idiota babão dá um trabalho desgraçado.
Acho que a nós, menininhas, resta somente uma grande musa: Peggy Guggenheim. Ela é minha musa.
Por que? Você veja bem: ela não era para ser nada além de um herdeirazinha insignificante e feiosa. Coitada. Sem talentos. Sem prendas. Sem amigos. Uma nada. Pobre menina rica. Mas ela descobriu que fazer, fazer mesmo, não sabia fazer nada. Mas tinha bom gosto. Tinha dinheiro. Não se entristeceu para sempre com a perda dos pais. Aproveitou a súbita liberdade, o que valia ouro naquela época, e foi passear pelo Soho, MontMartre, pelo Bairro Alto de Lisboa, o Guinza em Tóquio, todos esses lugares descolados onde os artistas, falidos ou não, circulam.
E com toda a sua grana, foi seduzindo rapazes telentosos, que ela reconhecia com seu precioso faro, e foi ajudando os meninos comprando deles por assombrosos quinhentos dollares as pinturas, e recolocando-os no mercado mais tarde por dois milhões de dollares. Um puta negócio! Afinal, crianças, não esqueçam: a moça era judia. Seria uma desfeita não ter ao menos o talento de fazer bons negócios.
Peggy montou a maior fundação cultural do mundo. Peggy quinquiplicou a fortuna herdada. Peggy criou a rede de museus mais cool do mundo. Peggy descobriu sozinha metade dos artistas plásticos pós-modernos. Peggy comeu todo mundo. Fez o que quis. Deu vazão ao seu talento para as artes, para os negócios e para o sexo. E divertiu-se pra caralho e mais que todo mundo. Sem, teoricamente, fazer nada. Sem um trabalho, sem uma carreira, foi tudo meio sem querer, como as musas.
Acho que não quero ser musa. Quero ser Peggy Guggenheim.

QUANDO O PUNK RESSUSCITOU PARA MORRER GLORIOSO

Sexta-feira.
(tudo o que dá pra fazer é lembrar. A gente nunca teve um CBGB mas o Vox deu conta)
Um pequeno cachorro preto, recém saído do pet-shop, foi atropelado na esquina das ruas Saldanha Marinho com a rua Ébano Pereira. Seu dono não estava por perto. Márcia Hilly foi quem primeiro suspeitou da coleira com tachas prateadas, mas foi Paulo Kristal quem leu o nome e se emocionou.
- A gente precisa enterrar o coitadinho.
(tem de ser sob o meu ponto de vista. Tudo o que você sabe do Vox sou eu que conto)
Nestes dias de inverno a noite cai antes de soar o badalo das seis. Por ironia divina,
(não inventa demais)
a noite desaba e as estrelas acedem. Feito mariposas coroadas de mercúrio procurando a luz, a fila desordenada começa a se formar. Mais cedo que o normal, os convivas estacionam seus carros, posicionam seus coturnos, borram os olhos marcados de lápis preto. Mais cedo que de costume,
(tem gente que acredita que)
as lojas ao redor fecham as portas e a música das pick ups ecoam nas paredes da secretaria de cultura. Duas imensas caixas de som pretas, voltadas para o céu, anunciam que algo de grave se deu e é preciso que os portões do céu se abram.
- Talvez devessem estar voltadas para baixo.
- Mas aí ninguém ia conseguir ouvir.
Train in Vain
E continuam a vir,
(foi tanta gente. Como nos tempos do Amaryli’s)
atraídos pelo som de mil baixos e milhões de complicações; convocados por meio das micro-ondas de celulares e das mil teclas de Orkuts e MSNs; avisados pelo sentimento de tristeza que fez quedar das árvores algo além das folhas outonais tardias. Como vítimas da tempestade dos últimos dias, pardais e sábias fulminados pela infinita fragrância de desespero e desassossego. Um sentimento que perfuma o ar,
(lembrando tudo parece engraçado, mas não foi)
misturando acentos de tabaco ao cítrico de um rio de lágrimas.
Give 'em Enough Rope
Gelson senta-se no meio-fio e bebe uma dose de vodka. Não conversa, apenas toca o líquido transparente nos lábios e deixa que seja absorvido. Ao seu redor, duas centenas de pessoas olham umas para as outras. Reminiscências de um tempo que parecia que algo aconteceria. Algo grandioso.
- Eu sinto saudades de tanta coisa que nem sei dizer.
- Eu amava a Debbie Harry. Aquele jeitão de modelo e uma cara de quem não sabia o que estava acontecendo.
- Nunca entendi o New York Dolls. Os caras vestidos de
organdi amarelo sobre forro de cetim rosa nunca ficou bem em homens de pernas peludas.
Joe Mauricião Ramone coberto de couro e cinta-liga procura um cinzeiro. Dado Strummer reclama que o coturno aperta no calcanhar porque ganhou alguns quilos em churrascarias rodízio de beira de estrada. Pedro Sylvain Sylvain carrega Lúcio no colo, pedindo clemência a Batgirl, furiosa pois tudo o que acontece acontece sem dever acontecer, apenas por ser assim.
- Alguém telefonou para o dono?
- Acho que a Márcia fez isso.
Cinthia Acin Songs for Drella desculpa-se
- Vim direto do trabalho, nem deu tempo de me produzir.
E com olhar de quem parece que algo aconteceu de mais grave e não percebeu, diz que
- trouxe alguns quadrinho do Osama Tezuka para quem quiser ler.
(o tempo, sabe, passa de um jeito que você nunca vai entender porque fica copiando a vida dos outros no papel que nem é seu. E pior, na tela que você nunca vai saber de quem)
Duas caixas de Heineken na calçada e milhares de pontas de Marlboro se vão em uma piscar de sinal. Do vermelho para o verde e novamente para o vermelho. Dustin Buddy Holly tira o suor do rosto e termina de cavar o buraco. Paulo Kristal elogia o cuidado que teve para não ferir as raízes da árvore.
- Seria crime ecológico. Sem fiança.
- Você não me avisou.
- Não. Mas a loira gostou.
(tem gente que vai só pra dizer que foi, como se o Vox fosse uma casa histórica. Tipo: eu sentei na cama que o George Washington perdeu a virginidade)
O corpo vem embrulhado em papel celofane. Never mind the bollocks à toda. Tremem os vidros dos automóveis. Um pequeno congestionamento provocado por gente que não entende.
- Vão pra casa, bando de desocupados!
China todo de branco, trêmulo, usando de todo o seu esforço que a tristeza permite.
- Não têm coisa melhor pra fazer?
Poucos conseguem conter as lágrimas.
- Vou chamar a polícia!
- Cala a boca ou te encho de porrada.
Batgirl poga a porta do opala dourado e coloca o motorista de sobreaviso.
- Você não entende que Sid Vicious morreu?
- Vai à
Duas centenas de pessoas socam, pulam, empurram, chacoalham, mordem, gospem, xingam, apertam, até que o automóvel jaz com as rodas para o alto.
- E não se esqueça disso!
Entre gritos e comemorações, China enterra o poodle toy que ganhou de sua tia e do qual tinha vergonha por ser um poodle toy mas que, no último momento, percebeu que não importava. Sob aqueles pompons e fitinhas, Sid Vicious sempre foi o mais punk de todos.
- Lembre-se Do it yourself.
Gelson derrama na tumba a vodka e corre dar uma cabeçada na porta do opala dourado. O sangue espirra como um chafariz de final de ano, espalhando gotas brilhantes no ar.
- É. A gente vai ficando velho e alguma coisa muda.

fashion week

De tempos em tempos, leio em algum lugar idéias que eu poderia jurar terem sido minhas, e que acabaram sendo popularizadas por algum vampirinho.
Não sei se sou uma piada de mim mesma, ou se concordo com um amigo que diria
- Idéias estão no ar como ondas de rádio. Quem as captar primeiro, vira dono.
Penso que poderia me dar bem nesse lance. de moda, antecipando tendências como o retorno das saias godês de Dior (o que afinal poderia melhor para o formato de ampulheta das brasileiras?) ou as misturas bem sucedidas de estampas, sapatos baixos, sapatilhas, casacos 3/4 , cacharrel, cintos com tachinhas, chemisiers, tweed de lã. Acho que pensei nisso tudo faz uns 10 anos, aliás, venho usando tudo isso já faz tempo.
Serei avant-garde ou retrô?
Estará Luana Piovani certa ao afirmar na frente de uma Betty Lago ofendida que tudo que havia para ser inventado na moda já foi?
La Puta Madre, e as opiniões da filósofa que não articula suas idéias, nem mesmo numa Saia Justa, onde talvez o jargão de Galvão Bueno pudesse confirmar
- Espreme que ele confessa!
Mas nem assim. Ali, as opiniões são meio estéreis. De Fernanda Young a Márcia Tiburi. Mal, mal! Muito mal. Bem estava Rita Lee, dormindo durante a gravação e se apropriando de uma das táticas masculinas mais antigas
- Estou ouvindo...
O que faz uma idéia ser nova, diferente, original, valer a pena? Diz o Sagae que nenhum artista prescinde de pesquisa. Arte só é arte quando é feita sobre um estudo sério.
Estudo de quê? Pra quê?
Até Niezsche, saído de um livrinho de entretenimento comprado em uma banquinha de aeroporto, achava que somos “demasiado humanos” para criar algo divino. Será enfim a porra da natureza o que temos de mais interessante por aqui? Bilhões de anos de aperfeiçoamento? Bah! Me nego a dar razão aos ecochatos.

Dai-me Vox e ruas seguras, Batgirl

Modernidade é isso!
— Do que ele ta falando?
— Paciência, cara. Deixa ele terminar a frase.
Grupos de transeuntes indo de lado a lado da rua das Flores como se estivessem realmente a procura de algo fundamental. Um bando persecutório investigando as possibilidades do universo curitibano para, aqui nas terras das araucárias, ocultar sob algum petit-pave o cálice sagrado, a arca da aliança, o sarcófago de Thot, as madeixas de Nabucodonosor, a pele descamada de Amaterasu, o som senil do canto de Odin. Gente de sorrisos parcos e modos infaustos, conduzidos pelo impulso de respirar pois respirar é preciso, McDonalds não é preciso.
— O cara despirucou.
— Acho que ele ta tramando alguma coisa.
Entre esses homens e mulheres de casacos escuros e blusas de lã a imitar o tricô da vovó, estão os pós-punks de sempre, os rescaldos da terceira onda de Toffler, os herdeiros da mística I-Ching amancebada com a Bíblia de Bill Gates. Jovens e não tão jovens assim, rótulos crus de Balzac e um improvável Neuromancer hodierno. (Polaquinho, algo realmente sério está a acontecer e preciso te contar)As horas passam devagar como uma música de Marina entorpecida de Prozac. Batgirl fura a fila do Vox e procura um lugar para deixar o casaco. Desiste ao ver acumulado sobre encostos modelos ultrapassados de Prada e Miou-Miou.
— Eu não quero ficar igual essas aí!
Afirma de modo peremptório aos botões de sua blusa branca e cuidadosamente envelhecida com a química ancestral. Um bando de modernos fumadores de cigarros de cravo e bebedores de Tequila Sauza dança rock anos oitenta como se dançasse em alguma praça de Porto Seguro. Uma das garotas tem cabelos azuis e lábios pretos e não fosse o mancar disfarçado pelos saltos desnivelados seria a encarnação de Mortícia Adans. Não sorri, não fala, apenas move os braços fora do tempo da música e humilha os Cranberries chacoalhando as cadeiras em uma cadência de samba de crioulo doido.
— Conheço muitas assim.
Demian comenta que as coisas poderiam ser piores. Poderia estar desempregado, sem dinheiro, sem ter o que fazer da vida após ter saído da Macchina, a mais nova lanchonete de self-service de jingles a ficar sem um sócio garçom.
— Eu agüento tudo, menos voltar pra casa da minha mãe. Se bem que eu sinto saudade da sopinha antes de dormir.
Batgirl pede uma vodka com limão e acende o Marlboro no Marlboro do atendente e pergunta a quantas anda o movimento.
— Faz um tempo que você não aparece. Muito trampo?
As luzes acendem-se e apagam-se permitindo ver o que pode ser visto e não ver o que é melhor ficar oculto. Nas noites de frio, quando ainda não é inverno e temos um outono de belas cores, as noites servem para sonhar perfeição em seres imperfeitos. No andamento da mesma conversa, Demian encosta-se na parede escura e procura atrás da cortina algo para se distrair.
— Você já está dançando. O que mais precisa?
— Sei lá. Tem dias que é foda. Hoje eu acordei sem vontade de acordar. Sabe a música? Bilhetinho azul de mim mesmo, é o que eu queria.
Batgirl deixa o balcão onde está e vai para a pista de dança. Cumprimenta quinze pessoas das treze que rebolam, inclusive o bando de modernos, ex-colegas da PUC, e aproxima-se de Demian.
— Fiquei sabendo que você saiu da Macchina. Tudo bem?
— Claro. E você?
— Tudo.
Na rua das Flores o silêncio é tanto que dói. As câmeras de vigilância sanitária filmam o nada que há para ser filmado. (houve um tempo que era possível ir de lado a lado da cidade caminhando, sem medo ou coisa que o valha, Polaquinho)Uma ratazana sai do bueiro e observa o asfalto antes de atravessar correndo para apanhar os restos do sabiá que tombou após chocar-se no fio de luz.
— E hoje ainda é Quinta-feira.
— É verdade. Ainda tem a semana inteira pra viver.
— Quer uma vodka?



texto do sagae para o jornal do estado

borges disse

Borges disse que há apenas quatro histórias para serem contadas: uma história de amor entre duas pessoas, uma história de amor entre três pessoas, a luta pelo poder e a viagem.
Todos os escritores reescrevem as mesmas historias ad infinitum.

Vivo!

Hoje amanheci como se estivesse deitado com as barbas de molho. Um líquido ácido e cheio de gosmas pré-cambrianas. Olhando pela janela que pedi a Maria para instalar, vi o azul do céu e pensei quantas vezes ainda terei essa possibilidade? E mais, pensei se gente de outra estirpe, pessoas de baixo calão como políticos e médicos e contadores e advogados, usufruem do mesmo prazer? É certo que pessoinhas como nosso presidente, em dias mornos, também amanhece de barbas ácidas (ó democracia divina que permite a tantos terem pêlos na cara!) mas, afinal, quem não padece de tal mal? Mulheres, sim, minhas queridas mulheres não (exceto aquelas barbadas de circo, vítimas de Prestobarbas demoníacos). Sim, por elas amanheci amargurado e, agora que me levanto, apesar do tempo ter nublado, meu ânimo está tilintando feito sino forjado em sangue huno. Vivo estou! Aleluia!

COZINHA

Odeio a nouvelle cuisine. qualquer cardápio que venha em capítulo, e ainda curtos, me causa ansiedade estomacal. Meu bom doutor Zerbinni, quando vivo, me aconselhava a ser farto na mesa como o era na cama.

CINEMA

O mundo aprisionado em uma tela aparentemente grande - contraste com a TV - é engodo da indústria do entretenimento. Porém, devo admitir, em noites frias tenho poluções com Louise Brooks. E já que estou buscando a sinceridade cinemascope, durante o dia me apetece pensar nessa ex-namorada de ânimo de vulcão. Angelina Jollie, minha preciosa, perdoe este seu amante ocasional. Ou você ainda espera algo diferente de alguém que não abandona as cuecas samba canção de algodão egípicio?

TV

Não vejo TV. Um velho amigo, Sílvio Santos, tentou me levar para o negócio. Não aceitei. Como pode algo chamado Baú da Felicidade dar dinheiro? Além disso, o mundo aprisionado em uma pequena caixa me provoca claustrofobia intelectual.

MÚSICA

A última é sempre a melhor. Neste momento ouço britadeiras acompanhadas de sons aleatórios de uma rua sem saída (Opus 36).

LIVROS

Os meus ou dos medíocres e invejosos que me antecederam? Soa pretensioso? POis sim. A verdade, quando dita em palavras cruas, deste modo parece. Caso contrário, se eu não fosse o que sou, porque teria sido ocultado das grandes páginas da história feito um carrasco de saco na cabeça. Decaptei muitos reis e mesmo assim aqui estou. Alhures.

ATIVIDADES

Em verdade seria tolo tentar descrever todas as minhas pcupações. Algo como detalhar em números primos os nomes de Deus. em resumo, sou quase uma publicação sazonal, daquewlas que se ocupam de tantos assuntos quanto os possíveis ao conhecimento humano. é claro, assuntos interessantes, perspicazes, irônicos, rejubilantes de tão valorosos.

ESPORTES

Pratico os esportes nobres, que caracterizam homens de minha estirpe.

PAIXÕES

Dentre as muitas vontades do ser humano, existem aquelas inconfessáveis. Destas, aprecio todas, de um modo obsessivo e contumaz, aproximando-me do sibilante doentio.

SOBRE MIM

Flatulo, arroto, tenho insônia e chulé. Compro em liquidação e reclamo da qualidade. Faço promessa e não cumpro. Abro a geladeira e esqueço de fechar. Minto que fui ao shopping-center e me perco na rua XV. Village People é mais macho que Back Street Boys. Domingo pela manhã durmo até a hora do almoço e segunda-feira reclamo que estou mais cansado que na sexta. Recebo o salário e me parece uma fortuna. Prefiro Janet Clair a Miguel Falabella. Entro em lojas e faço banca de milionário. Saio das lojas me sentindo o mais bonito dos endividados. Escovo os dentes e só então lembro do fio dental. Bebo e acordo de ressaca e olheiras e já não juro nunca mais fazer isso. Bebo água da geladeira e deixo a garrafa vazia.Olho para o sexo oposto e não sei exatamente o que me faz gostar tanto. Algum dia faço a volta ao mundo. Jogo na mega-sena e aviso que é um embuste. Acendo o cigarro, sem olhar para o feto engarrafado. Quando estou no meio do livro começo outro. Francisco Cuoco é mais canastrão que Tarcísio Meira. Acho a coisa mais normal do mundo ler enquanto alivio minhas necessidades básicas. Odeio tirar a roupa para tomar banho. Não acredito que o homem foi à lua. Ainda sou traumatizado por te visto minha mãe pelada. Evito banheiros públicos. Melancia é mais sexy que abacaxi. Digo que não tenho dinheiro para não precisar emprestar. Sofro de dores na consciência por não dividir o que me sobra. Acho que limpar o armário é perda de tempo. Meias e cuecas sujas têm vida própria e andam pela casa, aparecendo onde menos espero. Um pastel de três reais é uma fortuna e o sapato de trezentos uma pechincha. A manteiga do meu pão já caiu para cima. Se não fosse o controle remoto eu assistiria menos televisão. Banco vinte e quatro horas e cartões eletrônicos arruinaram minhas finanças. Como as pessoas viviam sem celulares? Vou de carro até a padaria e esqueço o dinheiro. Juro que saiu sem querer. Pato Donald é mais macho que o Cebolinha. Caminho horas no supermercado e acho estafante dez minutos na fila do banco. Quando consigo, vou até a feirinha do Largo da Ordem e acho um amontoado de gente insuportável. Detesto a comida fast-food de Santa Felicidade. Indico a todos os amigos que visitem a feirinha do Largo da Ordem e Santa Felicidade. Fumei maconha e traguei. Fumei cigarros e parei de tanto ouvir falar que faz mal. Bebo socialmente até cair e não incomodar mais. Consigo ler revistas, livros e jornais enquanto tomo banho de chuveiro. Se Deus acreditasse em mim eu teria tantas promessas a cumprir que precisaria vender a alma ao diabo. Acho charmoso charutos e cachimbos nas telas de cinema. Votei no Lula e colecionava estórias em quadrinhos. Little Richards é mais macho que Tom York. Patagônia era a cidade vizinha da Patópolis e Gansópolis. Nunca aceitei direito minha mãe me proibir de usar o guarda-chuva como pára-quedas. A maior das crueldades é ver o fundo da caixa de bombons. Banco serve pra se endividar e sentar. Poupança serve pra guardar dinheiro e sentar. Meu carro é velho e o carro velho do meu amigo é antigo. Nunca calibrei o pneu estepe. Marisa Monte é mais macho que Marina Lima. Gasolina acaba. Já paguei propina para guardas rodoviários. Já contei quantos biscoitos vêm no pacote. Dormi em beliche em casa de praia. Não bebo sucos saudáveis porque coca-cola é mais barato. Adoro arroz e feijão mas no restaurante por quilo encho o prato de carne. Queria parar de mentir que gosto de cinema arte. Se tivesse mais tempo e as férias não fossem tão curtas iria mais ao museu. Deve significar alguma coisa eu ter gastado mais dinheiro mandando flores para mulheres do que para defuntos. Ray Coniff é mais macho que Richard Clayderman. Meu primeiro hambúrguer foi nas lojas Americanas. Will Robinson e o doutor Smith são mais machos que Batman e Robin. O que aconteceria se Tony Ramos casasse com a Cláudia Ohana? Já metei galinhas e frangos, sem fazer diferença de sexo. Se for pra fumar Free é melhor respirar. Jack Daniel é mais macho que Fanta.