segunda-feira, setembro 11, 2006

RIOS INTERNOS

Voltou a sensação de vazio. Horrível isso (o que significa que o vazio não é total, e isso é bom). É como estar imerso em um tempo de manteiga, que não permite escoar para lugar algum, pensamento algum, possibilidade alguma. E é isso que atormenta. Possibilidades. Na verdade elas existem mas nenhuma satisfaz. E se assim é, como decidir o que fazer?
O que fazer?, é o que me pergunto enquanto tento dormir de olhos fechados em um quarto escurecido pela noite. Divago sob as pálpebras pesadas consultando um oráculo passado (tenho o hábito de conversar com os mortos procurando respostas). Hoje questiono minha mãe, alguém que passeou por tantas religiões e crenças que chega a ser difícil de levar a sério suas percepções mundanas. Como alguém com a espiritualidade tão aberta pôde morrer de derrame, diabética, perna amputada e jurando que a vida é boa e que devemos continuar insistindo? JUstamente pela espiritualidade. Mas, o que fazer, se eu não sou assim?
- princípios, siga os princípios,
e quais seriam eles? Que princípios? Nâo tenho nenhum.
- escolha e aceite
como?
- pergunte a si mesmo pelo que vale a pena morrer, e aí estará um princípio, não definido por você, mas definido pela sua vida
não vejo nada e é tão difícil
- a partir do momento que definiu seus princípios, estabeleça objetivos; assim você poderá seguir construindo algo e saberá, com clareza, quais os limites e que preços não poderão ser pagos nessa jornada
eu não consigo
- a fraqueza pode ser um princípio
E assim conversei com minha mãe (ou a imagem idealizada que dela tenho) e passei a madrugada (não falei que era madrugada, de uma escuridão cruel e cheia de armadilhas) tentando encontrar meus princípios. E mesmo assim amanheci vazio, e agora persisto na busca dos tais princípios. Não pela questão existencial (não?), mas porque é preciso. Passei da idade da inconsequencia e preciso construir algo, caminhar para algo, me aperceber como alguém e não mais ser um ponto estático no universo mas alguém que está a caminho. Basta de enganar a mim mesmo que é possível a imobilidade (sangue, líquidos, tudo flui em meus rios internos), preciso ir adiante como quem lamenta a dor do viver e mesmo assim, doente, amputado, em uma cama de UTI ainda conversa com aqueles que ama e jura que é possível encontrar a felicidade do caminho justo com os próprios princípios. Mesmo sendo o retrato da decadência, da velhice, da derrota, ser capaz de convenver a realidade de que nada daquilo é real e apenas a certeza de que às portas da morte ainda se está a caminho. Não sou eu uma colônia de células (trilhões e trilhões) que morrem e nascem todos os dias, e que lutam pela sobrevivência sabendo que sua sobrevida depende da vida da comunidade?
- minha vida continua em você
eu queria ser digno
- isso não importa
então o que importa?
- nada, a não ser que você faça ser assim
vamos nos ver novamente?