Quem somos nós?
Assisti ao filme. Uma cópia passada por Kendi. Há falhas, há superficialidades, há tantas objeções possíveis que nem vale a pena começar. Melhor ficar na grande qualidade. A vida se faz das possibilidades que escolhemos. Sartre estava certo ao ditar que sempre fazemos a melhor escolha para o momento em que vivemos. Então qual o motivo do medo do arrependimento futuro? Isso é herança judaico-cristã? Camus disse que o suicídio é a única questão que realmente importa. Nela extinguem-se todas as possibilidades. Se for o medo que nos impede de mudar, melhor seria o suicídio pois, nele, está a verdadeira imobilidade da consciência. “Se Deus não existe, tudo é permitido”, frase que não dá pra levar a sério pois foi dita por um estudante, Raskólnikov (mas vamos dar o crédito a Dostoievski e crer que teve momentos de lucidez, distante da vodka e da roleta). Tudo é permitido. Antes do presente somos basicamente possibilidades. Tudo é permitido se deus não existe. Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma (lembram-se?). Panta rei - tudo se move - dizia Heráclito, aquele bastardo imprestável. O homem age por medo do castigo ou na esperança do prêmio (ou quase isso). E se for assim, do que temos medo? Por que não viramos a mesa e tomamos outro destino que não seja a repetição do dia anterior e do anterior, em uma segurança besta de refazendo o já feito tenho certeza do resultado, ou seja, mais um dia de modorra. Conhece-te a ti mesmo, dizia Sócrates, aquele pederasta, e não Conhece a todos que te cercam inclusive a si mesmo. Quem sou eu, é a resposta que surge em qualquer meditação feita com seriedade. Os pensamentos e sensações que te percorrem respondem à essa pergunta, mesmo que de modo caótico. Sou possibilidades sem causa ou efeito, apenas possibilidades que, atualizadas, desfazem-se imeditamente na memória e ajudam a construir o que posso chamar realmente de eu, este amontoado de misérias e constipações, incapaz de revirar a pele do próprio corpo e deixar expostas as vísceras e os pecados. É inverno, uma boa desculpa para me esconder sob agasalhos.